segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

CORREIO MFC BRASIL Nº281


Neste ano a memória do Concílio Vaticano II se faz presente de maneira especial. Já se passaram 50 anos de sua abertura, em 11 de outubro de 1962. É uma data que vale a pena ser celebrada.
Fraternidade e Concílio

Dom Demétrio Valentini
Bispo de Jales (SP) e Presidente da Cáritas Brasileira
Adital
Mas não é preciso esperar outubro para descobrir nos anais da história os vestígios deste vasto acontecimento. Com a chegada da quaresma, nos deparamos com uma iniciativa que é herdeira legítima da fecundidade histórica do Concílio.
Trata-se da Campanha da Fraternidade. Ela leva a marca registrada do Concílio. Não se entenderia a consolidação desta campanha, sem relacioná-la com o contexto conciliar que criou o ambiente, onde ela pôde nascer e se desenvolver, até criar as raízes sólidas que cada ano reproduzem novos rebentos de sua vitalidade.
De fato, basta conferir as datas, para perceber a íntima relação da Campanha da Fraternidade com o desenrolar do Concílio. Ela foi realizada a primeira vez em 1962, justo no ano da primeira sessão conciliar. Foi lançada por três dioceses, sob a liderança da Arquidiocese de Natal, no Rio Grande do Norte. No ano seguinte, já eram dezesseis dioceses que a assumiam em conjunto. Para em 1964 ser assumida por toda a CNBB.
Atrás destas datas, percebemos o cenário maior do processo conciliar em plena ebulição. Cada ano, os bispos passavam mais de dois meses em Roma, participando dos trabalhos conciliares. Os brasileiros estavam hospedados na "Domus Mariae”, a casa da Ação Católica Italiana. O ambiente era propício para a convivência fraterna e para o diálogo em torno das questões eclesiais suscitadas pelo Concílio.
Compreende-se então que uma iniciativa como esta, em sintonia com as propostas conciliares, fosse olhada com simpatia, e logo assumida pelos bispos, sequiosos de colocar em prática as orientações pastorais decorrentes do Concílio.
De fato, desde o seu inicio a Campanha da Fraternidade tentou inserir os valores que o Concílio ia explicitando. Daria para elencar diversos. O primeiro destes valores era a nova consciência de pertença eclesial, despertada pela visão de Igreja como Povo de Deus. Não é por acaso que o lema da primeira Campanha em nível nacional, em 1964, era exatamente este: "Lembre-se: você também é Igreja”.
Outro valor que emergia com força dos debates conciliares era a missão dos bispos e a importância de sua comunhão episcopal, como co-responsáveis pela Igreja. Pois bem, a Campanha se apresentava como um ótimo instrumento para assumir na prática esta comunhão, dando força à ação de cada bispo em sua respectiva diocese.
Não menos insistente era a urgência da Igreja se inserir na realidade, levando sua presença de serviço fraterno e de estímulo para a participação dos leigos na vida social e política. A Campanha assumia esta preocupação, escolhendo temas de interesse da sociedade, e estimulando a reflexão e a participação organizada.
Em todo o caso, neste ano em que nos propusemos "revisitar o Concílio”, por ocasião do jubileu de 50 anos de sua abertura, encontramos na Campanha da Fraternidade um dos seus frutos mais consistentes e maduros. Se queremos encontrar vestígios da caminhada positiva despertada na Igreja pelo Concílio, temos na Campanha da Fraternidade um exemplo eloquente e altamente meritório.
Além do seu tema, desta vez a própria Campanha da Fraternidade, por sua trajetória histórica, nos interpela e nos desafia a retomar o clima de intensa participação eclesial, que o Concílio despertou com generosidade, mas que precisa ser retomado e sustentado.
A Campanha da Fraternidade continua nos lembrando que "todos somos Igreja”, com direito a participar de sua vida, e com o dever de assumir sua missão.
Cristologia: a Eucaristia
Por eucaristia, segundo o Dicionário Aurélio, entende-se “um dos sete sacramentos da Igreja Católica, no qual Jesus Cristo se acha presente sob as aparências de pão e de vinho, com seu corpo, alma e divindade”. Por celebração eucarística entende-se, hoje, a celebração da missa segundo ritos preestabelecidos, presidida por um ministro ordenado com credenciais para isso. Mas esses dois conceitos nem sempre foram tão restritos assim.

Eucaristia nem sempre foi missa ou sacramento.


João Schmitt*
Além da vigília pascal e observância dos sábados, que continuavam praticando à moda e ritos judaicos, os primeiros cristãos introduziram diversas outras reuniões. Por obediência ao preceito de Jesus “Fazei isso em minha memória” promoviam especialmente uma reunião com ceia comunitária, denominada então de eucaristia, quando colocavam em destaque os ensinamentos do Senhor, com orações de ação de graças (eu-xáris) sobre o vinho e o pão. De início, muito informalmente, em idioma local, sem cerimônia específica e ritos determinados, com espaço até para abusos. Paulo condena o procedimento da comunidade de Corinto de promover separadamente a ceia dos ricos e a dos pobres (1Cor 11,17-26).
A presidência da reunião ficava por conta de um líder natural, pessoa geralmente mais idosa (presbítero) escolhida pelo próprio grupo, sem exclusão de mulheres que lideravam determinadas comunidades. Por meados do século III, para facilitar o encaminhamento da ceia eucarística nas comunidades menos letradas, alguns epíscopos sentiram a utilidade de estabelecer determinadas leituras, normas e ritos para a ocasião, variando de uma região para outra, sem entender que a padronização fosse por exigência divina.
A certeza na presença do Senhor se baseava na promessa de que ele estaria realmente presente onde duas ou mais pessoas (não necessariamente cristãs) estivessem reunidas em seu nome, em qualquer lugar que fosse, sem necessidade de sacerdotes, templos e altares. De início não se tinha, como hoje, a noção de transubstanciação do pão e do vinho no corpo e sangue de Jesus, desenvolvida no final do primeiro e início do segundo milênio.
Serviço e poder
Com a oficialização do cristianismo como religião oficial do império romano, as atividades primitivas de bispos, presbíteros, diáconos e outros deixavam de ser mero serviço às comunidades para se constituir em exercício de poder de uma classe hierárquica. Os templos e altares pagãos se transformaram em igrejas cristãs, os presbíteros e bispos passaram a sacerdotes ministeriais. As primitivas reuniões eucarísticas de confraternização e ação de graças se transformaram em cerimônia sacrifical presididas privativamente pelo clero, com exclusão definitiva dos leigos.
Não se tem informação exata de quando a eucaristia dos primeiros cristãos passou a se chamar missa. O certo é que onde não havia sacerdote deixou de existir eucaristia e ali a vida cristã entrou também em declínio. Para sanar essa deficiência estrutural, igreja e dioceses investem, há séculos, no estímulo e formação de padres celibatários. Não se dão conta de que a solução não está aí, nem tampouco na admissão ou readmissão dos casados ou na polêmica ordenação de mulheres que, em último caso só encobririam a mal disfarçada sobrevivência e interesse de uma classe clerical ampliada.
Depois de séculos de hegemonia clerical, a solução parece estar, antes, no estímulo à formação de pequenos grupos liderados e administrados por leigos atuantes. Certos da presença do Senhor entre eles, esses grupos precisam ter liberdade para refletir sobre a mensagem evangélica, orando juntos e celebrando a eucaristia em família ou grupo de amigos, de modo espontâneo e diversificado, como faziam as comunidades primitivas.
Pessoas capazes e dispostas para essa missão existem, hoje, mais do que no tempo dos apóstolos. Mas é preciso acreditar nelas e encorajá-las a agir com criatividade, responsabilidade e destemor. Para não invadir os templos, domínio privativo do clero com liturgias sempre engessadas, importa que os encontros eucarísticos de hoje não queiram imitar ou simular missa. Ser criativo, inovar procedimentos sem a mesmice de cerimônias, orações e ritos litúrgicos repetitivos. Dividir experiências com outros. Avaliar e divulgar resultados. Lembrar, sobretudo que a recomendação de Jesus “Fazei isso em minha memória” não se dirige só aos apóstolos, mas para todos os presentes, incluindo amigos, sua mãe e outras mulheres.
Restringir, hoje, o mandato de Jesus apenas ao clero no interior dos templos é impedir que o movimento de Cristo se desenvolva no mundo.
*Diretor da Editora Ser e editor de Linha de Frente
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Documentos do Concílio Vaticano II

Da Constituição Pastoral Gaudium et SpesSobre a Igreja no Mundo Atual
A promoção do bem-comum (GS 26)
26. A interdependência, cada vez mais estreita e progressivamente estendida a todo o mundo, faz com que o bem comum - ou seja, o conjunto das condições da vida social que permitem, tanto aos grupos como a cada membro, alcançar mais plena e fàcilmente a própria perfeição - se torne hoje cada vez mais universal e que, por esse motivo, implique direitos e deveres que dizem respeito a todo o género humano. Cada grupo deve ter em conta as necessidades e legítimas aspirações dos outros grupos e mesmo o bem comum de toda a família humana (5).
Simultâneamente, aumenta a consciência da eminente dignidade da pessoa humana, por ser superior a todas as coisas e os seus direitos e deveres serem universais e invioláveisÉ necessário, portanto, tornar acessíveis ao homem todas as coisas de que necessita para levar uma vida verdadeiramente humana: alimento, vestuário, casa, direito de escolher livremente o estado de vida e de constituir família, direito à educação, ao trabalho, à boa fama, ao respeito, à conveniente informação, direito de agir segundo as normas da própria consciência, direito à protecção da sua vida e à justa liberdade mesmo em matéria religiosa.
A ordem social e o seu progresso devem, pois, reverter sempre em bem das pessoas, já que a ordem das coisas deve estar subordinada à ordem das pessoas e não ao contrário; foi o próprio Senhor quem o insinuou ao dizer que o sábado fora feito para o homem, não o homem para o sábado (6). Essa ordem, fundada na verdade, construída sobre a justiça e vivificada pelo amor, deve ser cada vez mais desenvolvida e, na liberdade, deve encontrar um equilíbrio cada vez mais humano (7). Para o conseguir, será necessária a renovação da mentalidade e a introdução de amplas reformas sociais.
O Espírito de Deus, que dirige o curso dos tempos e renova a face da terra com admirável providência, está presente a esta evolução. E o fermento evangélico despertou e desperta no coração humano uma irreprimível exigência de dignidade.
Comentário: o texto ressalta a missão política do cristão. O cristão está convocado a ser profeta: denunciar todas as causas de desumanização e anunciar o Reino de Deus, reino de amor-caridade e justiça social, “aqui na terra como no céu”. Só pelo caminho político serão alcançadas essas metas agora inadiáveis, com vistas à plena humanização de todos os homens e mulheres ainda submetidos a situações indignas de vida.

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