segunda-feira, 12 de março de 2012

Coragem, levanta-te, Jesus te chama!

Por Matheus R. Garbazza
Membro do Apostolado Sociedade Católica


Encontramos essa expressão no Evangelho segundo são Marcos. O cego Bartimeu está lá, no meio da multidão que seguia Jesus, e quer desesperadamente falar com o Mestre. Grita por ele, e a multidão o repreende. Está a fazer muito barulho, e será uma distração para Jesus. Mas ele não se contenta, e com toda a sua força, gritava mais ainda. Entretanto, parece que se distanciava do seu objetivo, perdido e confundido pela multidão que não o ajudava. No meio de toda essa confusão, o prórpio Jesus chama Bartimeu para perto de si.



É possível que nós estejamos tão familiarizados com a figura de Jesus, que muito provavelmente não damos a devida atenção a essas palavras tão cheias de significado: “Coragem, levanta-te, Jesus te chama!” (Mc 10, 49)

De fato, o que há de tão especial nisso? Trata-se apenas de um vocativo dos discípulos que obedeceram sem nem questionar a ordem do Mestre: “Chamai-o”. Mas encontra-se aí, precisamente, a beleza dessa passagem do Evangelho. Pois cada trecho das Sagradas Letras, por mais pequeninos que sejam, traduzem uma verdade da fé que devemos compreender e professar.

Consideremos as antigas tradições religiosas: na pré-história, os homens ofereciam seus sacrifícios às forças da natureza, de certo modo para poderem viver em tranqüilidade. Trata-se de um culto muito primitivo e – talvez – até pouco consciente. Se tomamos a religiosidade greco-romana, com seus numerosos deuses, observamos isso com mais cuidado: os homens tudo fazem para agradar às divindades, tentando mantê-las aplacadas e lançar fora a sua ira.

Haviam deuses das forças naturais, das cidades, dos antepassados, das coisas ocultas e – ainda no tempo de Jesus – imperadores considerados como deuses. Todos eles eram forças terríveis, que se encontravam quase completamente fora da esfera de compreensão dos homens. Deuses ciumentos uns dos outros e dos humanos, causando constantes guerras entre os povos.

Considerando essa mentalidade do homem antigo, compreendemos em certo sentido suas relações. Se quisermos somente um exemplo, fiquemos com o brutal controle de natalidade helênico. Os gregos julgavam que a cidade ideal deveria se ater a certo número de habitantes. Desse modo, as famílias deveriam regular o número de filhos para o mínimo possível. Assim, deveriam ‘escolher’ o filho que fosse melhor para criar, descartando os outros que fossem nascendo. “Utilizam-se todas as práticas de um malthusianismo desenfreado – aborto, infanticídio, abandono de recém-nascidos, amor contra a natureza: todas são autorizadas pelo costume, toleradas pela lei, altamente aprovadas pelos filósofos” (1).

Voltemos ao Evangelho e consideremos: que Deus é Jesus? Ele não permanece em um trono inacessível. Pelo contrário, ei-lo rebaixado e esvaziado de tal modo que é Deus-conosco, feito carne no seio virginal de Maria, caminhando entre nós. Só isso já bastaria para nos comover até ele.

Mas observemos mais atentamente aquela cena. Jesus se preocupa em atender aquele cego perdido no meio da multidão, a quem nem conhecia. Bartimeu não tinha importância social nenhuma. Pelo contrário, era considerado um não-social, alguém que teve atraída sobre si a cólera divina – era cego e mendigo, estava sentado pelo caminho. Entretanto, Jesus escuta os seus gritos e ordena aos discípulos que o tragam às sua presença.

Pensemos em nossa própria situação, hoje. Aquele mesmo Jesus que passava pela estrada de Jericó continua a passar hoje, de modos diversos é certo, mas sempre presente. E continua o mesmo Deus atencioso e preocupado com seus filhos. A cada um de nós Ele chama. Nós que somos cegos de diversas formas: cegos à religião, às necessidades do próximo, à moral e aos bons costumes, e até mesmo cegos à presença divina. Nós que somos mendigos, perdidos nesta vida que muitas vezes torna-se um vale de lágrimas, sem saída diante das pressões do mundo e da sociedade que nos rejeita. Nós que estamos sentados à beira do caminho, sem força nem para levantarmos a nós mesmos, que dirá para desempenharmos algum serviço importante ou digno de reconhecimento.

Mas eis que, pelas estradas da vida, passa Jesus. Ele é atento e sensível às nossas dificuldades. Ele ouve o nosso clamor. E, sim, nós gritamos. Às vezes gritamos alto, com a voz, como gritava Bartimeu: “Jesus, filho de Davi, tem piedade de Mim!” (Mc 10,47). Mas também gritamos silenciosamente. Dentro de nós temos certeza de que há algo mais, algo além das coisas sensíveis desse mundo. E sobe esse nosso grito silencioso, que muitas vezes é mais eloquente aos ouvidos divinos que os gritos vocais.

Ouvindo nosso clamor, Jesus nos chama. Ele pede que nos dirijamos ao seu encontro. Mas não pensemos que isso é fácil. É necessário coragem. Aquela mesma sociedade que nos ridicularizava por nossa situação deplorável vai nos sentenciar mais ainda, ao ver que estamos – do alto de nossa indignidade – nos movendo rumo ao Mestre. Nesse momento, poderão criticar até mesmo o próprio Mestre. Afinal, não é esse Rabi que come na casa de pecadores, que fala com cobradores de impostos, que se arroga o direito de expulsar demônios, que se deixa tocar por prostitutas?

Aí é que boa parte da multidão revela seu verdadeiro rosto: está indo atrás de Jesus por puro interesse. Ele permite, porque sabe que talvez assim possa convencê-los da verdade. Mas conosco não deve ser assim. Nossa confiança em Jesus deve ser como a de Bartimeu, que pediu a Cristo: “Mestre, que eu veja!” – e o fez sem parar para pensar, sem duvidar do poder de Jesus, sem questionar os seus desígnios. Pura confiança, puro amor.

Jesus, o mestre misericordioso, não apenas chama o pobre jogado no meio da estrada (e que Deus é capaz de gesto tão altruísta!), mas de fato o atende. Pela fé que Bartimeu manifestou, foi realizada a cura que tanto esperava. “No mesmo instante, ele recuperou a vista” (Mc 10,52). O bom Jesus quer que vejamos, quer que o contemplemos. A cura física do cego de Jericó é símbolo de uma maravilha maior que Ele faz por nós: nos abre os olhos para que vejamos quem de fato é o Deus verdadeiro, aquele que nos criou e que se compadece de nós. E nos faz, a partir daí, ver quais são os modos de seguí-lo e de ajudar os nossos irmãos e irmãs a fazer o mesmo.

Porque é impossível ser tocado pela Graça de Deus e ficar estático, imóvel. Bartimeu foi curado, e poderia simplesmente ter voltado para casa. Mas a perícope evangélica termina dando um testemunho de discipulado: “e seguia Jesus pelo caminho”. Jesus tem um poder magnético incrível, inerente à sua pessoa. Em contato com ele, ficamos encantados pela sua força divina e somos imediatamente movidos a ir andar perto dele.

Jesus Cristo não é como aqueles “deuses” de ouro e prata, de cobre e bronze, de pedra e madeira que os pagãos apresentavam. Ele foi e é – repetimos – Deus Conosco. E a esse Deus que seguimos somos convocados a também anunciar. O discípulo é também missionário, nos recordam cotidianamente nossos Bispos.

Portanto somos vocacionados (vocare, chamar: “Jesus te chama”) a sermos como os discípulos. São eles que obedecem a voz de Jesus e vão chamar o pobre para o convívio divino. Eles são, portanto, anunciadores da verdade evangélica, proclamadores da messianidade de Jesus Cristo que veio para salvar todos os homens.

“A Igreja tem por missão tornar presentes e como que visíveis Deus Pai e seu Filho encarnado, renovando-se e purificando-se continuamente sob a conduta do Espírito Santo. Isto obtém-se sobretudo pelo testemunho de uma fé viva e adulta, ou seja, uma fé educada para reconhecer lucidamente as dificuldades e capaz de superá-las”(2)

Aos discípulos contrapõe-se a multidão, figura que devemos evitar. Afinal, são aqueles “muitos” que “repreendiam Bartimeu para que se calasse”. São eles que procuraram afastar de Jesus aqueles que mais precisavam dele. Não, somos vocacionados a converter essa multidão, a fazer que também eles reconheçam que precisam da atenção divina e gritem conosco: “Filho de Davi, tem piedade de Mim”!

“Com efeito, o mistério da divina redenção é, antes de tudo e pela sua própria natureza, um mistério de amor: isto é, um mistério de amor justo da parte de Cristo para com seu Pai celeste, a quem o sacrifício da cruz, oferecido com coração amante e obediente, apresenta uma satisfação superabundante e infinita pelos pecados do gênero humano: Cristo, sofrendo por caridade e obediência, ofereceu à Deus alguma coisa de valor maior do que o exigia a compensação por todas as ofensas feitas a Deus pelo gênero humano.”. (3)

E nós todos somos chamados pessoalmente pelo próprio Redentor a manifestar esse amor. Ele que o manifestou primeiro, caminhando conosco na terra e passando pelos nossos caminhos. Ele que continua a estar perenemente junto de nós, na sua tenda de amor que é o Tabernáculo. Cotidianamente, eis Jesus-Eucaristia a estender a sua misericórdia sobre nós. Ei-lo revigorando todos os dias seu único e suficiente sacrifício pelas mãos do sacerdote. Ei-lo na pessoa dos nossos irmãos e irmãs, nos chamando a sua presença.

E aqui devemos estar nós, firmes perante o mundo, proclamando a bondade e a magnífica misericórdia de Nosso Senhor Jesus Cristo.

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